domingo, novembro 06, 2005

Ainda a greve ... desabafo (apenas) !

Este texto foi escrito no dia seguinte à greve; não o publiquei porque achei que poderia não fazer sentido para além da ângustia pessoal.

Na verdade, aparentemente, pode corresponder a um rol de "banalidades" já repetidas. Mas, não é!!!

É um testemunho com gente dentro e, por isso, em vez de o apagar, aqui o deixo.

Apenas, por respeito ... [é doentio este terrível defeito que os juízes têm de explicar tudo].


Passou o furacão

O que é que vai ficar desta greve?

O governo cantando vitória porque conseguiu enganar toda a gente controlando a contra-informação, fintando a comunicação social e os comentadores através da mentira repetida, da calúnia oca e da propaganda vazia, desviando a atenção da realidade e da responsabilidade.

O povo português contente porque ficou convencido que essa trupe de malandros que já muito ganha bem, está encharcada de privilégios mas não faz nada e só quer é ter férias: finalmente vai ser posta da linha;

A comunicação social, inchada do seu poder mas sem fazer auto-crítica para perceber que foi usada, acredita que conseguiu reter reivindicações corporativas descabidas; mas o certo é que ganhou muito em audiências;

O juízes ficaram isolados e saíram mal tratados porque:

1. não sabem comunicar e foram arrastados para a situação em que muitas vezes ficam as partes nos processos: têm razão mas não conseguem provar os factos; no caso nem souberam alegar: não perceberam a onda mediático-demagógica pois deveriam ter sido claros: exigir o fim das férias judiciais por terem direito a gozar férias em qualquer mês do ano independentemente de o governo querer usá-las como bandeira; prescindirem dos SSMJ ou aceitarem trocá-los pelos (serviços) dos senhor PM ou seja os SSPCM (http//
www.sspcm.gov.pt); ultrapassadas essas questões menores para a “Justiça” avançar depois para os efectivos problemas que se encontram desenvolvidos em várias intervenções no “verbo jurídico”; depois, para esclarecimento público desmontar o elenco dos “privilégios” que lhes apontam mostrando que não existem e qual a sua razão de ser e bem assim apresentar os pontos em que são cidadãos de segunda [lista das incapacidades de gozo ou de exercício por serem juízes];

2. ficaram num beco sem saída porque pouca gente percebeu as razões da greve e não se souberam desmarcar dos demais funcionários que fizeram greve nos mesmos dias (teria sido de suprema argúcia adiar a greve até depois do congresso e deixar clara a lista séria de razões da greve de maneira a afastar as férias e os SSMJ a que o governo se agarrou);

3. em termos de solidão do gabinete, vão ficar deprimidos, perseguidos, escorraçados e abaixo de arguido contumaz; vão voltar às sentenças com montes de citações, jurisprudência e deleites intelectuais, às noitadas não pagas, aos fins-de-semana a recuperar atrasos, às férias a fazer turnos em carro próprio (acumulando as funções de condutor e as de caixeiro viajante), às férias, agora acantonadas, para Agosto, reduzidos a funcionários copistas; continuarão a acumular as funções de presidentes de tribunal sem apoio logístico ou de pessoal nem remuneração; formadores especializados do CEJ sem remuneração efectiva; sem computadores decentes, sem telefone de serviço; sem gabinete compatível;

3. continuarão a clamar pela contingentação processual, por assessores, por formação profissional, achar-se-ão os baluartes dos “Direitos Liberdades e Garantias” mas abdicando das suas próprias vidas;

4. continuarão a remoer a impossibilidade de exercer qualquer outra actividade remunerada, de concorrer à vida política, de receber qualquer subsídio de (des)inserção social; [quiçá a “invejar” alguns juízes que vão saindo nem que seja para presidente de Câmara (veja-se o sr. Dr. Fernando Negrão – de juiz de círculo a deputado e pretendente a presidente de Câmara)];

5. sentir-se-ão apontados e desacreditados na rua, nos corredores e nas salas de audiência, enrodilhados nas becas velhas, gastas e sebosas mas rejubilarão pensando que são verdadeiras e sérias as vénias que lhes atiram advogados e seus derivados;

6. as leis continuarão absolutamente mal feitas e sem nexo mas ao serviço dos interesses dos grandes clientes bolsistas mas interpretadas à base do politicamente correcto;

7. a devastação será grande, muito grande e os tribunais demorarão a recuperar novo fôlego: mas eu ainda acredito que ainda há, muita, Gente a ter honra, dignidade e respeito para se saber Homem/Mulher, licenciado, apurado através de concurso de acesso ao CEJ, resistente num penoso, desgastante e profundo curso de graduação até tomar posse como juiz de direito, passar anos e anos a ouvir as pessoas sérias e a suportar as mentiras de arregimentados, ganhando a legitimidade na sua consciência, no brio, no rigor técnico e na certeza de que a lei é geral mas os problemas das pessoas são resolvidos, no dia-a-dia, em cada caso concreto, tendo sempre presente que a lei pode mudar ao ritmo dos interesses de quem a dita enquanto uma sentença, transitada, tem o incomensurável peso de definir, sem retrocesso, uma vida concreta!!...


Enfim … desabafos!!!!