sábado, dezembro 24, 2005

Graças aos Reis Magos (?) e ao menino Jesus (?) … ainda há férias … judiciais!!!


É verdade! Parece que já ninguém se lembra mas as férias judiciais do Natal devem ser creditadas na bondade de Jesus de Nazaré que se dignou ir nascer a Belém ou, segundo outros, na persistência e teimosia dos Reis Magos.

Há quem pense que os inventores das férias judicias foram os juízes: isso é falso!!!

Nem é por causa dos tribunais que as férias, judiciais, foram criadas: quem as reclamou, e obteve êxito, foram os Reis Magos, assim ultrapassando o “Nazareno” nas sondagens, de antanho.

É um facto historicamente indesmentível e tão certo como a árvore das patacas: as férias judiciais de Natal foram descobertas, muito antes do caminho marítimo para a índia, pelos Reis Magos.

Eles tinham que deixar os seus processos para seguir a estrela que lhes indicava o caminho de … Belém e por isso pediram férias para que os prazos não corressem.


Antes da chegada dos fariseus, todos os anos, por esta altura, os juízes gozavam o privilégio de seguir a luz, da estrela que lhes apontava os montes, os montes de processos que deveriam ser despachados para recuperar os atrasos.

Todos os anos os reis magos iam para Belém e os juízes para a montanha!! mas … e este ano???

Será que Belém é mais importante que os processos (esses pedaços de vida e esperança de cidadãos concretos)???

Não me parece: foi longa a caminhada, desgastante o percurso, pouco amianto e muito pranto e desamparada a luz da estrela!!!

Nem que seja por respeito e dignidade este Natal deixarei os processos para os Reis Magos e vou seguir a estrela de Belém!!!

Vou ficar à lareira a aquecer a alma; não vou ler o “Diário da República”, nem as colectâneas, nem a jurisprudência, nem a doutrina (talvez: Vital Moreira ou Rui Pereira); mas e sobretudo, vou ser gente (parece que é um direito que quase todos têm), vou brincar com os meus sobrinhos, jogar com os meus familiares e amigos, passear, olhar o mundo, ler livros de banda desenhada, vou ao cinema, hei-de fazer todas aquelas coisas que o corpo pede e a alma agradece….

Em três meses, desde Setembro, para além de muitos despachos de expediente, participei em mais de 20 julgamentos de processos crime colectivos, fiz mais de 60 julgamentos de processos crime singular e respectivas sentenças, fiz mais de 25 primeiros interrogatórios judicias, mais de 35 saneadores, mais de 30 julgamentos cíveis e cerca de 40 sentenças (não de preceito), isto para além dos processos de menores misturados com umas quantas formas à partilha e outras minudências e montes de condenações de preceito e extinções de execuções, etc, etc.

Não parece muito trabalho mas é um privilégio ganhar por tudo isto, e muito mais, cerca de 2.000 euros mensais, e não ter oportunidade de fazer mais nada …

Olhando para o gabinete ainda aprecio várias montanhas, não de neve ou de passeio, mas de privilégio e de esperança de que as férias judiciais servissem para escalar tais montes.

Noutros anos, passariam as férias, judiciais, e eu, como muitos outros, silenciosamente, esforçando em tal escalada.

No entanto, este ano, a escalada fez subir outros valores…

Decidi para mim e em silêncio, vou fazer como os Reis Magos: não trabalho nas férias judiciais!!!

“E prontos”: já que tenho a fama hei-de ter o proveito!!!!

Até porque nestas coisas de trabalho, dedicação, esforço e férias é como na tropa depende, sempre, das inspecções!!!

Uns têm … outros não!!!

Para todos, mas mesmo todos:
Um Santo e Feliz Natal e … boa viagem aos Reis Magos!!!!

PS: cuidado com as “cruzes“ podem acertar no “totoloto”!!.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Ora vira, que vira ... e torna a 'spinar'!!

Encontrei este texto.
Creio que não foi escrito a pensar em Portugal, hoje.
Mas... aqui fica!
"O que eu acho particularmente desconfortante e aviltrante no fenómeno da comunicação de massa não é tanto a prática sistemática da desinformação nem o carácter faccioso das suas mensagens, que são modeladas pela publicidade, nem sequer a ausência de espírito crítico, que o torna facilmente manipulável e vítima de maquinações e embustes.
Nada disso é novidade: desde sempre que vencer é, antes de tudo, convencer, assim como o recurso à violência sempre foi a excepção e não a regra.
Mas há na comunicação algo de novo e de inédito com respeito à retórica, à propaganda e à publicidade que não é, com efeito, o facto de transmitir e imprimir convicções na mente do público, e ainda menos o de infundir nos espíritos uma fé ou uma ideologia dotada de identidade e de estabilidade (como era o comunismo, o fascismo, o socialismo, o liberalismo, etc.).
Pelo contrário, o objectivo da comunicação consiste em facilitar a aniquilação de todas as certezas e empreender uma transformação antropológica mediante a qual o público se tornou uma espécie de ‘tabula rasa’ extremamente sensível e receptiva mas incapaz de reter para além do momento da recepção e da transmissão o que nela foi escrito.
Paradoxalmente, o público da comunicação tem total consciência de transmitir e receber aqui e agora, mas não tem memória nem inconsciente.
Isto permite que os poderosos façam e desfaçam conforme o proveito do momento sem que fiquem obrigados ao que quer que seja. Assim se despedaça o ligame entre a seriedade e a eficácia, entre a coerência e o êxito, sobre o qual foi construído o mundo moderno (e não só este!).
O mundo anglófono serve-se da palavra ‘spin’ para definir a actividade dos profissionais da comunicação publicitária e política que, mediante as sondagens, estão permanentemente à escuta das oscilações da opinião pública no propósito conseguir dominá-la e influenciá-la; a elaboração e a contínua modificação das mensagens que formam a “imagem vencedora” de um produto comercial ou de uma personagem pública conduzem à gradual erosão e esboroamento da sua identidade.
Ao passo que no mundo das ideologias a firmeza das opiniões e a constância dos comportamentos eram funcionais para o êxito, pois sobre elas se baseavam a confiança e o crédito, com a comunicação de massa é sempre necessário “to put a new spin”, “dar-lhe uma volta”, fazer uma pirueta pondo de lado os escrúpulos, que provêm da lógica e da moral.
Noutros tempos, chamava-se “vira-casacas” àqueles que, para proveito pessoal, mudavam com facilidade de opinião; o seu comportamento, embora enviesado, era por vezes momentaneamente eficaz, mas a longo prazo revelava-se penalizante.
Na comunicação já não há uma casaca, mas apenas um virar e revirar incessante que volatiliza e dissolve a casaca.
O “spin” baseia-se, precisamente na dissipação da casaca em mera técnica da comunicação."

Mário Perniola - “Contra a comunicação”, pág. 91, ed. teorema, Agosto de 2005

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Andar por fora ... só por uns dias !

Ficar uns dias fora deixa ver tudo com olhos mais límpidos.

No regresso encontramos tudo mais bonito, mais alegre, mais vistoso e com redobrado optimismo.

O país funciona mesmo:
os políticos são sérios, cordatos e respeitadores preocupando-se com os cidadãos; os jornalistas estão mais informados e as notícias são isentas, responsáveis e animadoras; os tribunais funcionam mais do que sete horas por dia e as pessoas não faltam pois acreditam na justiça tempestiva e com meios de coercibilidade que lhe garante eficácia; as forças de segurança têm meios e são incentivadas e respeitadas; os militares sentem o respeito governamental correspondente ao seu sentido de Estado e de missão e têm meios necessários; os professores estão motivados e com largo horizonte de prestígio; os funcionários públicos sentem que têm um papel importante no desenvolvimento do país; os trabalhadores por conta de outrem são, agora, uma ínfima parcela dos pagadores de impostos; alguns, poucos, desavergonhados ainda fogem ao fisco mas são repudiados pela generalidade dos demais contribuintes que apostam em vencer Espanha na prova do desenvolvimento sustentado; os empresários e profissões liberais descobriram que pagar impostos é a maior fonte de rejuvenescimento e de prestígio, os deputados assumem em exclusivo as preocupações com a compreensão e feitura de leis boas e justas; os governantes assumem a responsabilidade da função e não entram em campanha por qualquer candidato presidencial ou para a junta de freguesia resguardando assim as suas funções e os meios públicos; os comentadores públicos profissionalizaram-se, especializaram-se e têm agora enquadramento legal e lei orgânica que os coloca na dependência directa do ministro da cultura; a propaganda é vista como uma actividade pouco recomendável; os reformados desenvolvem uma vida activa e são vistos como os antigos e sábios anciãos; o governo está com problemas porque as condições de trabalho são tão boas que ninguém aceita reformar-se mesmo com mais de oitenta anos; os maiores investimentos estão a deslocar-se para o interior aproximando-nos de Espanha que já começa a recuar e a assustar os franceses; as escolas estão a aumentar e os portugueses dispostos a se multiplicarem saudavelmente…

Ouvem-se gargalhadas e risos de crianças …

Até os golfinhos do Sado … batem palmas aos projectos da Arrábida!!!

Afinal valeu a pena; valeu a pena o filho revoltar-se contra a mãe: que seria deste país se alguém tivesse levado o jovem Afonso Henriques à comissão de menores e jovens em risco????

Não se sabe, mas poderia ter sido a primeira boa razão para lançar a ideia de uma amnistia em 2006; afinal faz 30 anos que foi aprovada a Constituição da República Portuguesa; faz … faz … faz …; ele há tanta razão para se fazer uma boa acção …

É tão bom regressar ao FUTURO!!!!!!!

terça-feira, dezembro 06, 2005

A confissão (!!) do pai, da mãe e ... a morte (?) do filho.


Era uma vez ... o António (pai), a Bernardete (mãe) e o (filho) Costa que se governavam na mesma casa.
Sempre foram muito amigos e solidários até que um dia ... o Costa desrespeitou o pai.
O pai decidiu fazer justiça por si próprio e ... toda a gente soube da desavença.
Incerta noite, o Costa desapareceu ...
Descoberta a falta do Costa, a polícia, após aturadas cogitações, prendeu o António e a Bernardete.
Vendo-se na praça pública e rodeados de suspeitas ... logo confessaram o crime que todos já sabiam ter sido cometido pelos dois patifes.
No primeiro interrogatório, à frente do juiz de instrução, do Ministério Público, do advogado e do funcionário judicial, depois de saberem que não eram obrigados a falar, o António e a Bernardete disseram, ficou escrito e, depois de lerem, assinaram como tinham tirado a vida ao filho Costa e entregue o corpo às aves de rapina.
Ficaram sujeitos à obrigação de apresentação periódica no posto da GNR da aldeia.
A vizinhança chamou a comunicação social e toda a gente ficou a saber da desgraça que caiu pela libertação daqueles monstros.

Ainda foi ouvida a filha dos arguidos e irmã do Costa: corroborou as declarações dos arguidos, que lhe foram lidas.

Mais ninguém viu, nem se soube de qualquer rasto do Costa; nada mais havia para além das confissões, uma pormenorizada reconstituição feita a partir das declarações dos “facínoras” e da testemunha Alberta (filha e irmã).

Por isso, célere e pontual, o Ministério Público, pela pena de um jovem, depois de aturado e longo tratado doutrinal e jurisprudencial sobre o princípio da “presunção de inocência do arguido” e falta de credibilidade da filha dos arguidos decidiu arquivar o processo.

Manchetes negras, exibiram o luto do Povo por tão hedionda decisão: não há justiça!! Alguém tem que ser responsabilizado por tamanha inexperiência e falta de senso; tão mal vai a justiça!!!

Caiu, estrondosamente, o Procurador Geral da República!!!

O novo PGR, iluminado, sensato, catedrático e com “profundo” sentido de justiça, avocou o processo e nem precisou de o analisar para ordenar que fosse deduzida acusação.
Mais, foi ordenada a prisão preventiva dos diabólicos.

Manchetes e abertura de noticiários: a justiça ainda irá ao bom caminho; eis um PGR competente e um juiz dos bons!!!

Depois da acusação, foi marcado julgamento e toda a gente gozava, já, a condenação!!!!

Julgamento: os hediondos arguidos disseram que não queriam falar !... e o mesmo escolheu a testemunha Alberta por ser filha dos arguidos!

Silêncio absoluto: tudo de boca aberta e queixo caído!...

O Ministério Público salientou as “incongruências do sistema”, reconheceu essa “prerrogativa legal” dos arguidos e à filha e pediu a absolvição por falta de prova; o astuto defensor, homem sábio e experiente, louvou-se na seriedade, isenção e rigor do “senhor procurador” e sorriu um absolvente “peço justiça”.

Clamor nacional: Não há prova! Não há prova?? Como tal se aprova???

Então eles não tinham confessado? E não foi feita a reconstituição??? E a filha/irmã não falou também durante o inquérito??

Todos sabemos que foram eles que mataram o Costa, o próprio filho!!

Os juízes marcaram dia para leitura do acórdão; toda a gente já chorava pela absolvição!

O Procurador Geral da República foi substituído por não ter sido pedida a condenação.

Os três juízes, jovens, despenteados de tanto pensar e agoniados, num rasgo de insónia decidiram: os arguidos vão condenados em 25 anos de prisão, cada um!!!!
Fundamentação: a confissão e a reconstituição fotográfica feita a partir das declarações dos arguidos durante o inquérito e as declarações da filha dos arguidos.

Como foi tal possível??? - os juízes declararam inconstitucional a norma do Código de Processo Penal que impede a utilização das ditas confissões e reconstituição como meio de prova.

Festa nacional e arraial geral: Povo e jornalistas exultam de alegria: ainda há justiça, se não fossem estes juízes novos e corajosos aqueles facínoras escapavam sem pagar a horrenda morte.

Advogado jovem, e estudioso, toma conta do processo e recorre ...

(isto deveria ter continuação...)

(é para já ... porque a justiça precisa de tempo para ser útil)

Sobem os autos ao Tribunal da Relação...

Revogado o acórdão, com severa reprimenda ao “mal andado” dos jovens juízes pelo atrevimento e por se deixarem embalar pelo calor exterior ao julgamento, foram os arguidos absolvidos!!

Como já tinha decorrido muito tempo, tinha sido descoberta a mina dos privilégios e era ponto assente que a irresponsabilidade dos juízes eram causas dos males da justiça e da pátria e, ainda, fonte de aquecimento global ... a comunicação social limitou-se a referir, em nota de rodapé, a contradição entre duas decisões dos tribunais acerca da mesma questão, concluindo que ninguém entende como será possível fazer-se justiça se uns condenam e outros absolvem, quando todos sabem quem matou o Costa.

Vários comentadores, e outros arregimentados, reafirmaram a necessidade de o governo não se deixar manietar pela separação de poderes e definir as prioridades para o combate ao crime porque isto assim não pode ser ... por isso é que o país está na cauda da Europa!!

Indemnização! Indemnização!! Indemnização!!!
Gritavam António e Bernardete apoiados por outro advogado mais competente que todos os anteriores.
Quem lhes paga o sofrimento? a vergonha? os dias de prisão?? Quem??? Eles não praticaram qualquer crime!!!
Eles foram absolvidos!
Se não havia prova porque é que os acusaram??

Logo, ali, anunciaram uma greve de fome e ameaçaram acorrentar-se ao parlamento até que lhes seja feita justiça!!!

Acorrentaram-se ... e ainda acreditam nos deputados!!!

Os tribunais ... os tribunais ... os tribunais ... os tribunais??
“isso é só privilégios” ... o que nos vale é os deputados ... senão isto era um país sem lei.
(interrupção.... por falta de luz)

E pergunta o pescador: “isto é um país sem lei; ou será sem rei ... nem roque??”
Responde o outro, amigo: “sem rei? Isso depende dos partidos! Sem rock? Isso basta esperar pelo “in Rio” e depois ... já pode ver e ouvir!!