Deontologia (?) e bom senso ... férias judiciais e ... problemas (?) dos práticos!
“As férias judiciais, os privilégios e a greve dos juízes”
Tema tanto batido que já começa a ser problema.
Surgiu porém uma nova versão: arma de arremesso pessoal e processual.
A história foi contada assim: um senhor doutor “advogado e presidente do conselho de deontologia de Coimbra da ordem dos advogados” escreveu um artigo com o referido título que foi publicado na edição de 15.11.2005 do “Diário de Coimbra”.
Em termos de ideias nada de novo apresenta nos quatro pontos do texto.
Uma curiosidade neste escrito: o senhor doutor invocando um cargo que ocupa na Ordem dos Advogados apresenta-se a admoestar pessoalmente, e na comunicação social, um juiz, com o pretexto de um “opinião”; será a vontade de os juízes prestarem contas ao conselho de deontologia da Ordem dos Advogados?
Há quem avance com outro motivo: o senhor advogado andaria inconformado com uma decisão de um tribunal colectivo no qual interveio esse juiz que condenou um cliente (familiar) do senhor doutor “deontólogo”, como a nível superior não lhe alteraram a pena, o distinto causídico recorreu aos seus poderes deontológicos e de comunicação...
Quem o conhece sabe (isso é seguro) que este senhor doutor advogado não é pessoa de se guiar por tais razões nem se prestaria a tais actuações ... mas poderia ter evitado remorsos de consciência... com (um pouco de) senso!!!
Segue o texto (omitindo-se os nomes por respeito aos intervenientes):
Segue o texto (omitindo-se os nomes por respeito aos intervenientes):
“1. O Exmo Senhor Juiz Dr. AR, num artigo intitulado “A discriminação, a manipulação e a greve dos juízes”, publicado no “Diário de Coimbra” de 4 de Novembro, vem defender que se devia pura e simplesmente acabar com as férias judiciais. No seu entender, seria o ideal: os tribunais funcionariam ininterruptamente durante todo o ano, e os Senhores Magistrados poderiam gozar as férias a que têm direito quando lhes apetecesse, e não apenas entre 15 de Julho e 31 de Agosto.
Não se percebe muito bem como é que os tribunais poderiam trabalhar nesse regime. Como funcionariam os tribunais colectivos, se cada um dos seus juízes resolvesse gozar as suas férias em período diferente dos outros? E os próprios tribunais singulares, se o magistrado do M.P. tirasse férias em período diferente do do juiz? Certamente que o Senhor Juiz R. Tem soluções para estes problemas, pena é que não as tenha revelado.
Mas o pior é que o Senhor Dr. R. Se esqueceu de um “pequeno pormenor”: é que nos tribunais também trabalham advogados. Não sei se se trata de um lapso freudiano, isto é, se o Senhor Dr. R. Será daqueles magistrados que pensam que os advogados só servem para estorvar, e que a Justiça funcionaria muito melhor se nos tribunais houvesse apenas magistrados. A verdade porém é que vivemos num Estado de direito e as leis da República, a começar pela própria Constituição, impõem que os cidadãos tenham direito a ser defendidos pelos “chatos” dos advogados.
Ora a teoria do Senhor Dr. R. levaria a que os advogados nunca pudessem ter férias, pois os prazos judiciais --- que os advogados, contrariamente aos senhores magistrados, têm de cumprir rigorosamente --- nunca se suspenderiam, e em qualquer altura do ano poderiam ter de comparecer em julgamentos e outras diligências judiciais.
Os advogados passariam assim a ser os únicos trabalhadores sem direito a férias. Não seria isso “discriminação”?
2. Protesta depois o Senhor Juiz R. Contra a anunciada medida de responsabilizar os juízes pelas consequências dos seus erros, que considera, que considera imoral e injusta. Mas porque razão deverão os juízes ter o privilégio de serem os únicos profissionais irresponsáveis pelos erros --- por vezes crassos e com consequências gravíssimas para os cidadãos --- que cometem? Não será isso “discriminação”?
3. Queixa-se também aquele Mº Juiz de que os juízes “têm sido sistematicamente perseguidos, discriminados e caluniados”. Isso é manifestamente contrariar a evidência: toda a gente sabe que os magistrados são os servidores do estado que, nos últimos vinte anos, mais beneficiados têm sido, quer no plano remuneratório quer em outras regalias.
4. Na parte final do seu douto artigo, o Senhor Dr. AR enumera as qualidades que deve ter um bom juiz. Esqueceu-se porém da principal: o bom senso!”
Não se percebe muito bem como é que os tribunais poderiam trabalhar nesse regime. Como funcionariam os tribunais colectivos, se cada um dos seus juízes resolvesse gozar as suas férias em período diferente dos outros? E os próprios tribunais singulares, se o magistrado do M.P. tirasse férias em período diferente do do juiz? Certamente que o Senhor Juiz R. Tem soluções para estes problemas, pena é que não as tenha revelado.
Mas o pior é que o Senhor Dr. R. Se esqueceu de um “pequeno pormenor”: é que nos tribunais também trabalham advogados. Não sei se se trata de um lapso freudiano, isto é, se o Senhor Dr. R. Será daqueles magistrados que pensam que os advogados só servem para estorvar, e que a Justiça funcionaria muito melhor se nos tribunais houvesse apenas magistrados. A verdade porém é que vivemos num Estado de direito e as leis da República, a começar pela própria Constituição, impõem que os cidadãos tenham direito a ser defendidos pelos “chatos” dos advogados.
Ora a teoria do Senhor Dr. R. levaria a que os advogados nunca pudessem ter férias, pois os prazos judiciais --- que os advogados, contrariamente aos senhores magistrados, têm de cumprir rigorosamente --- nunca se suspenderiam, e em qualquer altura do ano poderiam ter de comparecer em julgamentos e outras diligências judiciais.
Os advogados passariam assim a ser os únicos trabalhadores sem direito a férias. Não seria isso “discriminação”?
2. Protesta depois o Senhor Juiz R. Contra a anunciada medida de responsabilizar os juízes pelas consequências dos seus erros, que considera, que considera imoral e injusta. Mas porque razão deverão os juízes ter o privilégio de serem os únicos profissionais irresponsáveis pelos erros --- por vezes crassos e com consequências gravíssimas para os cidadãos --- que cometem? Não será isso “discriminação”?
3. Queixa-se também aquele Mº Juiz de que os juízes “têm sido sistematicamente perseguidos, discriminados e caluniados”. Isso é manifestamente contrariar a evidência: toda a gente sabe que os magistrados são os servidores do estado que, nos últimos vinte anos, mais beneficiados têm sido, quer no plano remuneratório quer em outras regalias.
4. Na parte final do seu douto artigo, o Senhor Dr. AR enumera as qualidades que deve ter um bom juiz. Esqueceu-se porém da principal: o bom senso!”
Este o texto publicado no "Diário de Coimbra".
Sem pretender desenvolver respostas em nome de outrem, subscrevo o texto de outro juiz acerca das dúvidas do distinto causídico e deontólogo.
Segue o texto:
Como é que os tribunais poderiam trabalhar nesse regime??:
1. como funcionam os tribunais colectivos: em primeiro lugar conjugando as agendas, como já hoje acontece em todos os colectivos em que a composição é variável face ao número de juízes afectos a julgamentos (e o que acontece quando algum juiz está doente??); só nos mega-processos é que a conjugação exigiria maior cuidado mas seria conseguida.
2. tribunais singulares e o Ministério Público: não consta que os magistrados do Ministério Público estejam afectos a processos ou a Juízos e muito menos a juízes (está prevista a substituição legal, que é feita diariamente, e na prática nem se dá por isso); na versão actual do Código de Processo Penal bem como no LOFTJ ou no Estatuto do Ministério Público tal problema não existe;
3. direito de defesa dos cidadãos: todos os dias há advogados que faltam a julgamentos e são substituídos nos termos legalmente estabelecidos sem que tal corresponda a qual violação dos direitos de qualquer pessoa;
4. férias dos senhores advogados: desde logo tratando-se de uma profissão liberal não se encontra diploma legal que defina essa necessidade que é sempre conjugável com o respectivo “horário de trabalho”, pelo que os senhores advogados podem gozar férias em qualquer época do ano privilégio que é negado aos juízes; além disso, os códigos de processo definem a concertação de datas relativamente à marcação de diligências; está prevista a possibilidade de substabelecimento; e o legislador pode estabelecer o alargamento de prazos processuais de maneira a não prejudicar a actividade dos senhores advogados;
5. os senhores advogados têm que cumprir rigorosamente os prazos processuais: é verdade mas só têm os processos que quiserem e, supõe-se, ganham tanto mais quantos mais processos tiverem; quanto aos juízes não aprece que tenham tal possibilidade de escolha; aqui do que se trata de adaptar os prazos a novas condições de desenvolvimento processual;
6. acerca da responsabilização dos juízes: tal já está previsto na lei; pretender avançar mais é demagógico; salvo se se pretender que os juízes sejam “criados” de outros poderes;
7. quanto aos erros crassos: a questão deve ser discutida mas senhor doutor, por favor, indique quais os processos em que os mesmos se encontram para que possam ser analisados face aos comportamentos processuais concretos evitando, assim, as comuns afirmações vagas e possibilitar a responsabilização dos autores desses erros; e quantos arguidos já foram condenados por erros crassos dos advogados?? Quantas vezes uma opção da defesa pelo silêncio ou por uma “estória”, em vez da confissão (face à abundância de prova), produz prisão efectiva em vez de suspensão na execução???
8. “os juízes são os que (...) nos últimos vinte anos, mais beneficiados têm sido, quer no plano remuneratório quer em outras regalias” ---» ainda bem que o senhor doutor avisa: é que os juízes têm andado tão atarefados a despachar processos que não se aperceberam de nada;
Pede-se o favor, a não ser que a afirmação tenha carácter não sério, de indicar em concreto quais são esses benefícios bem como as outras regalias (por exemplo: compare-se a evolução dos honorários dos senhores advogados estagiários com a remuneração dos juízes; compare-se os benefícios fiscais de que gozam uns e outros);
9. Tem razão senhor doutor: os juízes precisam de muito bem senso; na verdade, só quem tem muito bom senso, ilimitada paciência e capacidade de trabalho equiparada a animais de carga consegue trabalhar com as condições existentes nos tribunais, com os meios disponíveis e transportar o peso da calúnia feita de afirmações vagas, genéricas e maliciosas constantemente difundidas; doença contagiosa, que perturba o raciocínio e a serenidade mas que o bem senso do senhor doutor consegue discernir e iluminar.
Felizmente ... que ainda há deontologia!!!
<< Home